O dia em que a gentileza me atropelou na Liberdade (e me deu ânimo pra mais uma semana)
Se liga na cena: segunda-feira, fim de tarde, aquele caos organizado da Liberdade. Eu só queria levar minha namorada numa loja de chocolate. Um rolê tranquilo, sem erro. Parei o carro pra esperar uma vaga e, como sempre em São Paulo, já começou aquele micro-estresse: o carro da frente não decidia se ia ou se ficava. Normal. O que não foi normal foi o que veio depois.
Do nada, brotou um segurança da loja. Do lado do vidro do passageiro, o filme já era um só: "Vai mandar eu sair, falar que não pode parar aqui". Mas o mano chegou no pique, simpático, e falou: "Chefe, a viatura ali na frente da banca já tá de saída, encosta lá que é sua". Eu agradeci, meio chocado. Um cara simpático em SP, de graça assim? Raro.
Estacionei, encontrei minha mina na loja e, do nada, o mesmo segurança me cumprimenta de novo, sorrindo. "Aí sim, hein? Foi só você manobrar que o tiozinho da frente vazou". Naquele momento, minha marra de paulistano já ligou o alerta. Qual a dele? Simpatia demais, tá estranho. Segurança, então? Mais estranho ainda.
Mas a saga não parou. Ele veio com uma cestinha, brincando: "Toma aqui pra ajudar a gastar mais". A gente riu, seguiu o baile. Na hora de ir pro caixa, minha namorada quis uma água de coco. Ela olhou pro segurança e perguntou se ele sabia onde vendia. Eu já dei um passo pra trás, pensei: "Pronto. Acabou a amizade. O cara é segurança da loja, não guia turístico". Eu esperava um "não sei" seco, e tava tudo bem.
Ele disse que não sabia. Ok, justo. A gente agradeceu e voltou pra fila. E aí, mano, veio o nocaute. O cara simplesmente apareceu de novo do nosso lado e disse: "Olha, fui atrás da gerente, e perguntei pra ela. Ela falou que se vocês descerem a próxima rua, à direita, tem um lugar que vende".
Eu fiquei sem reação.
Eu olhei pro mano e, juro, por um segundo eu quis pedir o Instagram dele, chamar pra tomar uma breja, sei lá. Porra, que atenção era aquela? Nem meus parças teriam se esforçado tanto. Esse gesto, que pra ele talvez não tenha sido nada, me desmontou. Mexeu tanto comigo que eu tô aqui, agora, escrevendo sobre isso.
E é um bagulho muito loko pensar nisso. Como que uma pessoa que você nunca viu, que não te deve nada, pode impactar tanto o seu dia? A gente vive numa cidade que nos treina pra ser cínico, pra esperar o pior, pra andar de guarda alta. A gente acorda, lê notícia ruim, ouve umas ideia torta na rua, aguenta gente falando abobrinha sobre política como se fosse dono da verdade. É "bolsonaro" pra cá, "o Tarciso tá trabalhando bem" pra lá... um cansaço mental que vai se acumulando.
A gente vai criando uma casca dura pra aguentar o tranco.
E aí vem um cara, num dia qualquer, e com a maior boa vontade do mundo, fura essa casca com um gesto mínimo. Ele não só fez o trabalho dele, ele fez questão de ser gente. De ser humano.
Essa pancada de gentileza me deu um ânimo que eu nem sabia que tava precisando. Melhorou meu humor, minha forma de olhar pro resto da semana, minha fé de que, no fundo, a humanidade ainda tem salvação.
São esses respiros, esses momentos inesperados de conexão, que fazem a gente aguentar os dias ruins. São essas pequenas revoluções de afeto que nos lembram que, apesar de tudo, ainda vale a pena. São esses goles de esperança que mantêm a gente de pé.


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