Dinheiro, autoestima e amor na quebrada: quando o bolso pesa no coração

O texto fala sobre como o dinheiro (ou a falta dele) influencia nos relacionamentos na quebrada. Mostra a ligação entre autoestima, rolês, cinema, motel e a vida real do favelado, questionando o mito de que “amor não depende de grana”. É uma reflexão simples, sincera e cheia de exemplos da vida periférica.

BLOGDIA A DIACRONICA

FAVELADO PENSANTE

9/25/20253 min read

Dinheiro, autoestima e amor na quebrada: quando o bolso pesa no coração

A gente cresce ouvindo que “dinheiro não traz felicidade”. E que no amor, o que importa é o sentimento. Só que na quebrada, essa frase não cola do mesmo jeito. Quem vive de salário mínimo, quem tem que escolher entre pagar a conta de luz ou comprar um tênis, sabe bem: dinheiro muda a autoestima, muda a forma de se relacionar, muda até o jeito que a gente chega numa garota ou num garoto.

Na favela, relacionamento também passa pela grana. Não dá pra romantizar.

Imagina um muleque preto, favelado, 16 anos. A autoestima dele já vem marcada: a escola trata mal, a polícia olha torto, a mídia só mostra gente como ele em página policial. E ainda tem a cobrança de “ser alguém na vida”.

Agora pensa: esse mesmo moleque vê os amigos de moto, tênis da moda, com as minas do lado. O que ele sente? Que está ficando pra trás.
Muitos entram no corre errado não por “opção”, mas porque veem nesse corre uma chance de subir a autoestima, ter uma moto, um celular bom, um Nike no pé e a chance de chegar numa mina sem gaguejar.

É chulo falar “pegar muié”? É. Mas é assim que se fala na quebrada. É o código. E esse código tá diretamente ligado ao dinheiro.

Na teoria, pra chamar uma garota pra sair basta coragem. Mas na prática? Sem dinheiro, não rola.
O que o moleque vai falar?
“Vamos dar uma volta na praça”? Até pode, mas se repetir sempre, a mina também desanima.
Agora, quando o cara tem uns trocados, já muda:

  • pode pagar um sorvete;

  • dividir um chocolate;

  • chamar pro shopping;

  • arriscar um cinema.

O problema é que o cinema hoje é quase proibitivo. Só o ingresso, uma pipoca e um refrigerante já dá fácil uns R$ 150. Se terminar o rolê no motel, é mais R$ 120. Soma Uber, janta, um lanche, e pronto: já foram R$ 500. Isso é um terço do salário mínimo. Impossível bancar com frequência.

É por isso que na quebrada muita gente casa cedo. Não é só “amor verdadeiro” – é também estratégia de sobrevivência.
Quando você casa, arruma um barraquinho, tem sua liberdade. Já não precisa gastar com motel. O rolê vira assistir série na “GatoNet”, cozinhar junto, improvisar um programa com R$ 50. Isso aproxima. É mais realista.

No casamento, você pode dizer: “Tô sem grana, mas vamos dar um jeito junto”. Essa parceria é o que sustenta muito casal periférico.

E não é só o homem que sente esse peso. As mulheres da quebrada também entendem a dureza. Muitas topam dividir rolê, pagar metade, criar alternativas. Mas até aí, tudo custa.
Um casal que vai duas vezes no mês ao motel já gastou quase 50% de um salário mínimo. E a gente tá falando de gente que ainda tem aluguel, luz, água e comida pra pagar.

O motel é luxo? Talvez. Mas e quando você mora com pai, mãe e três irmãos no mesmo cômodo? Ter um espaço de intimidade vira necessidade básica.

Enquanto isso, os “boys” da classe média têm outra realidade. Gastar R$ 500 num rolê de fim de semana não dói. Eles podem marcar encontros diferentes toda semana, conhecer várias pessoas, escolher com calma até achar uma relação que faz sentido.
Na quebrada, cada tentativa pesa no bolso.
O amor também é desigual.

Mas a quebrada é criativa.

  • O sorvete no carrinho da rua vira jantar romântico.

  • O campinho de terra vira passeio de fim de tarde.

  • O banco da praça vira cinema.

  • E a GatoNet vira Netflix de luxo.

Mesmo assim, não dá pra negar: dinheiro pesa no amor, pesa na autoestima, pesa no jeito de se relacionar. Fingir que não faz diferença é fechar os olhos pra realidade.

Na favela, o relacionamento sempre foi dividido entre o amor e o bolso. Quem tem dinheiro, ganha moral, autoestima e mais acesso. Quem não tem, precisa de criatividade, paciência e, muitas vezes, de um amor que entenda a dureza do corre.

No fim, a gente segue tentando. Porque amar é necessidade básica também. Mas a quebrada já entendeu que no amor, como na vida, dinheiro não é tudo – mas faz muita diferença.