O MASSACRE DE PARAISÓPOLIS, UMA CONVERSA ENTRE NÓS.

Uma reflexão direta sobre os 6 anos do Massacre de Paraisópolis: o impacto na favela, a verdade sobre o baile, a violência do Estado e a luta por dignidade. Leia e fortaleça o debate.

BLOGDIA A DIAPRETO

FAVELADO PENSANTE

12/3/20253 min read

Seis anos depois do massacre de Paraisópolis, a gente ainda acorda com aquela sensação amarga de que, pra favela, o tempo não cura, só reforça o que sempre soubemos: aqui, quando a polícia entra, não é pra proteger. É pra espancar, humilhar, e, quando eles acham conveniente, matar. E essa ferida fica aberta. Fica sangrando.

E é importante falar disso entre nós, sem filtro, sem medo de incomodar. Porque, se a gente não fala, ninguém fala por nós.

O baile funk da quebrada sempre foi mais do que música alta e rua lotada. Quem vive aqui sabe: o baile movimenta a economia do bairro inteiro. Tem a tia que vende salgado pra botar comida na mesa, o mano que monta barraca de bebida porque o trampo formal não paga o aluguel, as minas que vendem trancinha, o mano que faz o som… Muita família depende daquilo. É renda. É sobrevivência. É dignidade.

Mas também sabemos que existe o outro lado, o morador que acorda cedo, a mãe que chega tarde e não consegue passar com o carro, o trabalhador que precisa dormir. A quebrada é cheia de realidade que se cruzam, e a gente enxerga todas. Porque nós vivemos isso na pele.

Só que tem uma coisa que ninguém pode aceitar: resolver esses conflitos entrando atirando. Não é política pública, não é segurança, não é solução. É violência. É covardia.
E é sempre contra a gente.

Porque a real é a seguinte: as periferias não têm espaço decente pra cultura. As escolas que poderiam abrir no final de semana ficam fechadas. As quadras são abandonadas. Os centros culturais, quando existem, ficam longe demais, nunca tem um dentro da periferia (principalmente da prefeitura ou governo). A cidade só lembra da favela quando quer voto ou quando quer mandar a polícia descer o cacete.

Aí, como sempre, o baile vira o único espaço de lazer que sobrou.

E quando você junta juventude, música, sonho, e o único espaço que elas têm… o Estado decide reagir com bala, com bomba, com cassetete e matando. Foi isso que aconteceu em Paraisópolis. Os meninos estavam dançando. Cantando. Vivendo. E a polícia matou nove.

Nove vidas negras, periféricas, esmagadas sem motivo.
Nove jovens que poderiam ser nossos primos, nossos vizinhos, nossos amigos de infância.
Nove histórias arrancadas como se fossem descartáveis.

E o argumento deles qual é?
“Combate ao tráfico.”
Beleza. Então responde pra mim:

Quantos quilos de droga apreenderam?
Qual traficante foi preso?
Quantas armas pegaram?

Nenhuma.
Zero.
Coisa nenhuma.

O discurso cai por terra na primeira pergunta.
E cai mais ainda quando a gente compara: quando foi a última operação numa rave? Quando foi a última vez que entraram com arma de fogo num evento de rico? Em Alphaville? No litoral? Em festival eletrônico cheio de playboy bêbado, chapado e drogado?

Não tem.
Nunca teve.
Porque o problema nunca foi droga.

O problema é cor de pele e CEP.

Na rave tem “jovens”.
Na favela tem “suspeitos”.

Na rave eles “exageram”.
Na favela “tem que morrer mesmo”.

O menino branco é “oportunidade”.
O preto da favela é “perigo”.

E aí, quando a gente verbaliza isso, quando a gente diz em voz alta que policiais mataram nove jovens porque eles estavam dançando num baile funk, parece mentira. Parece exagero. Parece cena de filme ruim. Mas é real. É brutal. É quase diário esse extermínio. É vergonhoso.

E o mais triste é que quem quer ditar as regras na favela são os políticos que nunca pisaram numa. Vereador criado em apartamento querendo mandar na quebrada que ele só conhece pelo Google Maps. Deputado que acha que Paraisópolis é nome de condomínio. Gente que nunca vai entender o que significa crescer com medo da polícia e não do bandido.

A cidade é construída sem nós, mas é em cima da nossa vida, do nosso sangue, do nosso esforço.
E pra nós, nada funciona.

Se tivesse diálogo real com moradores, o baile não seria tratado como inimigo, e sim como fenômeno cultural que precisa de estrutura. Se tivesse política pública decente, criança e adolescente teriam espaços de lazer, esportes, artes. Se tivessem respeito, a polícia não entraria matando.

Mas o sistema não é feito pra gente viver bem.
Nunca foi.
Só que tem uma coisa que eles não conseguem destruir:
nossa união, precisamos estar lado a lado sempre.

Porque, no fim, é nós por nós.
Sempre foi.
Sempre vai ser.

A favela precisa se organizar mais, se abraçar, se proteger.
A gente sabe quem é o inimigo, isso precisa estar claro para todos nós.
A gente sabe quem lucra com nossa dor.
E sabemos também que, se não estivermos juntos, eles passam por cima de todo mundo que nem um trator.

Paraisópolis não é passado.
É aviso.
É ferida.
É lembrança de que, enquanto o Estado enxergar jovens negros como ameaça, massacres vão se repetir.

Mas também é resistência.
É memória.
É luta.

E a gente segue.
Junto.
Forte.
Porque a cidade só existe porque a favela trabalha.
E a cultura da quebrada merece viver sem ser tratada como crime.