Tokenismo é a farsa preferida do poder pra dizer que nos aceita enquanto continua nos descartando.

Uma análise firme sobre como o tokenismo virou a principal estratégia do poder pra fingir inclusão enquanto mantém o povo preto longe das decisões. Do marketing corporativo à política bolsonarista, passando pelas marcas, pela mídia e pelas influenciadoras usadas como vitrine, o texto desmonta essa farsa ponto a ponto. É um convite pra pensar junto, reconhecer os truques e fortalecer a luta real por representatividade com poder, e não com foto.

BLOGDIA A DIAPRETO

FAVELADO PENSANTE

12/10/20254 min read

Tem dia que eu acordo e sinto que tão tentando nos vender diversidade como quem tenta empurrar camiseta pirata no Brás. Sabe quando o vendedor insiste “é original, patrão”, mas o simbolo do Corinthians tá verde, a do palmeiras tá listrado de preto e branco? Então. É isso que chamam de inclusão hoje: uma farsa mal feita.

O nome bonito dessa enganação é tokenismo. Fizeram até parecer conceito difícil, mas a ideia é simples: colocam um de nós no palco pra fingir que a peça mudou. Só que o roteiro continua o mesmo, escrito pela mesma mão branca, rica, hetero, masculina e segura do próprio privilégio.

A palavra nasceu lá por 1959, dicionário registrou, sociólogo estudou, Malcolm X já gritava que colocar “um ou dois negros” não era avanço, era hipocrisia. E ele falava isso na década de 60, rapa. Quer dizer: essa farsa é velha, mofada. Só que o Brasil insiste em ser a locadora que só tem filme em VHS.

Chega mais, família. Bora pensar junto um minuto e enxergar onde essa enganação continua passando batida.

Tem empresa que no Dia da Consciência Negra pinta o feed de preto, bota frase de Mandela e foto de funcionário negro sorrindo. Bonito, né? Mas vira o mês e continua tudo igual: liderança branca, diretoria branca, dono branco. Ano passado, por exemplo, a Magazine Luiza encheu a internet de marketing sobre diversidade ao mesmo tempo em que pesquisas mostravam que, como a maioria das grandes empresas, o topo segue quase sem pretos. É a diversidade performática que coloca a gente na foto, mas nunca na sala onde decidem a verba.

Tem também os partidos que lançam mulheres negras pra cumprir cota eleitoral. Você lembra do caso do PSL, investigado porque lançou candidaturas femininas só de fachada, sem verba, sem apoio, sem chance? Pois é. Mulher era só número no Excel. “Diversidade” virou burocracia. E o poder real continuava guardado a sete chaves no cofre dos mesmos homens brancos de sempre.

E tem o clássico do audiovisual: filme brasileiro com “o negro da história”. Sempre um. Sempre solitário. Sempre orbitando a vida de um personagem branco. A Globo mesmo viveu isso anos e anos: elenco principal quase europeu, um ou dois negros distribuídos como peça decorativa. A novela muda, o país muda, mas essa lógica demoraliza qualquer um que entenda que representatividade não é figurino.

Quer outra? As marcas de beleza. Quantas vezes você viu campanha de maquiagem com modelo preta toda iluminada? Muitas, né? Agora vai procurar a base pro nosso tom no balcão. Aí descobre que a mesma marca que usa nossa pele pra vender não fabrica a cor que a gente usa pra viver. É o tokenismo cosmético: nossa imagem serve, nossa existência não.

E agora chegamos nos casos mais escancarados e recentes. Tem político negro sendo usado como troféu por extremista. O cara vira papagaio de pirata de Bolsonaro, repetindo frase pronta, tirando foto sorridente, como se a presença dele fosse prova de que a direita não é racista. O figurante de luxo no projeto dos brancos de sempre ainda espalha intolerância religiosa, tentando demonizar qualquer fé que não seja a deles.. Eles usam o corpo do cara como escudo, como selo de “diversidade aprovada”. Enquanto isso, o mesmo grupo político vota contra políticas de igualdade racial, contra direitos sociais, contra tudo que diz respeito ao povo preto. Representatividade que serve à opressão não é representatividade. É instrumento de controle.

Aí você olha pro lado e vê o mesmo acontecendo com mulheres. Agora existe até a versão feminina do político token: influenciadoras negras conservadoras sendo elevadas ao posto de “voz das mulheres negras de direita”. Tipo a “jojo toddynho” da direita que virou mascote de narrativa. O sistema usa essas figuras como se fossem adesivo brilhante colado na capa de um livro velho e mofado. Não muda o conteúdo. Só disfarça.

No fim das contas, o tokenismo machuca porque é uma mentira bem ensaiada. Ele não só nega poder pra gente. Ele confunde a população. Faz parecer que está tudo melhorando. Parece que basta colocar um de nós lá dentro pra resolver um problema que é estrutural, histórico e profundo. Só que enquanto um sobe no elevador social, milhões continuam presos na porta giratória.

E aí, quando alguém aponta isso, dizem: “tá vendo? vocês nunca estão satisfeitos”. Mas a verdade é outra: não dá pra comemorar casa nova se só pintaram a parede. Não dá pra chamar de inclusão quando a gente só troca de posição na vitrine, mas continua fora da mesa.

O tokenismo transforma gente em símbolo. E símbolo, meu parceiro, não respira. Símbolo não tem fome, não tem filha pra criar, não pega ônibus lotado, não toma enquadro da PM, não acorda preocupado com boleto. Símbolo só serve pra ser mostrado. E é isso que o sistema quer da gente: presença sem poder, imagem sem voz, corpo sem autonomia.

Se você entendeu isso, já entendeu metade da luta. A outra metade é derrubar a vitrine.

E construir a casa com as nossas mãos.